Terra das abelhas sem ferrão: meliponicultura em Pontal do Paraná desperta paixões e projetos inovadores


Por Luiza Rampelotti Publicado 20/12/2023 às 17h39 Atualizado 19/02/2024 às 08h32

Você já ouviu falar em meliponicultura? Esse é o nome designado para a atividade que consiste em criar abelhas sem ferrão. Em Pontal do Paraná, existe um grupo de pessoas apaixonadas pela meliponicultora e com o sonho de divulgar cada vez mais essa ocupação.

O JB Litoral foi conhecer um meliponário, local onde as abelhas sem ferrão são criadas. William Rafael Kotovei é o proprietário do espaço, que fica nos fundos de sua residência, e começou a lidar com os insetos há 10 anos. Atualmente, ele produz mel e enxames para comercialização, além de subprodutos, inicialmente, para consumo próprio, como pólen, própolis e geleia real.

Comecei a lidar com abelhas por brincadeira. Eu estava fazendo a pintura de um sobrado e lá tinha um enxame, tentamos contratar alguém para ir retirar, mas não encontramos. Então tentei tirar por conta, sem estrutura nenhuma, mas consegui, claro que levando algumas ferroadas”, se diverte.

Naquele dia, William experimentou o mel direto da fonte e, em suas palavras, “algo mudou” em sua vida. “A partir daí, levei um enxame para a chácara que tenho e coloquei uma caixinha. Depois disso, foi aumentando e, quando vi, já estava com 35 caixinhas de abelhas sem ferrão produzindo. O que era uma brincadeira começou a ficar mais sério”, conta.

Hoje, o microprodutor tem mais de 60 caixas de diferentes espécies de abelhas sem ferrão produzindo mel. Ele comercializa as colmeias e o mel, que tem produção de cerca de 450 kg por ano.  “As colmeias são multiplicadas em casa, no nosso sistema não é retirado da natureza”, explica.

Por meio de cursos gratuitos de meliponicultura oferecidos pela Prefeitura de Pontal do Paraná, William conheceu outras pessoas com os mesmos interesses. Agora, reunidos, eles estão tentando iniciar uma associação.

William Rafael é criador de abelhas sem ferrão. Ele tem mais de 60 caixinhas produzindo mel, cerca de 400 kg por ano. Foto: Rafael Pinheiro/JB Litoral


Criação da Associação dos Meliponicultores do Litoral do Paraná


Seu Osni Rosa Lima foi um dos interessados pelas abelhas sem ferrão que também fez os cursos. Embora já lidasse com meliponicultura há mais de 10 anos, ele queria se aperfeiçoar e conhecer pessoas que tivessem a mesma paixão por esses insetos.

Vi na internet sobre o curso oferecido pela Prefeitura e pensei que era uma maneira de conhecer pessoas que pensam e gostam das mesmas coisas que eu, então fui fazer. Conheci um pessoal muito bacana e engajado, assim como eu, então tivemos a ideia de fundar uma associação, porque essa organização é inexistente aqui”, comenta.

O processo para oficialização da entidade andou rápido; a previsão é de que em janeiro a Associação de Meliponicultores do Litoral do Paraná já esteja oficializada. São 17 pessoas já cadastradas para darem início ao projeto como sócios fundadores e, inclusive, até as comissões e a minuta do estatuto já estão formadas.

Seu Osni afirma que o objetivo da associação é fazer amizades, divulgar conhecimento, melhorar a produção do micro produtor e auxiliar na geração de renda. As ideias não param de surgir e já existem projetos ambiciosos propostos, como a construção de uma Casa do Mel em Pontal do Paraná, além de uma cooperativa e meliponários nas escolas.

Seu Osni também é meliponicultor. Ele reuniu um grupo de pessoas com o mesmo interesse e deu início à criação da Associação dos Meliponicultores do Litoral do Paraná. Foto: Rafael Pinheiro/JB Litoral

A Casa do Mel seria uma estrutura para os meliponicultores venderem seus produtos, que são muitos; tem a própolis, sabonetes, hidratantes, mel, entre outros. Claro que é um projeto a longo prazo, assim como a cooperativa, mas somos visionários. Acredito que entramos num terreno fértil, porque começamos a agregar coisas, então estamos plantando essa sementinha”, reflete seu Osni.

Ideia é colocar meliponários nas escolas


Mas além dos projetos a longo prazo, já existe um que deve ser implantado a partir do ano que vem, assim que a associação for fundada. Os meliponicultores querem levar meliponários para as escolas municipais, com o intuito de ensinar as crianças desde pequenas sobre as abelhas sem ferrão, educação ambiental etc.

Gislaine de Carvalho Paes é uma das meliponicultoras que fazem parte do grupo; é ela quem encabeça a iniciativa para as escolas. “A intenção é colocar caixinhas de abelhas sem ferrão nas escolas para ensinar educação ambiental, explicar para as crianças a importância das abelhas, informar que existe abelha sem ferrão, porque a maioria das pessoas não sabe. Então, muitas vezes, a abelha faz um ninho e as pessoas acham que é marimbondo, por exemplo, e tacam fogo. Elas estão praticando um crime ambiental sem saber. Por isso, queremos começar lá da raiz, com as crianças, envolvendo os professores, fazendo um jardim, um pomar, uma horta para ser polinizada pelas abelhas, além de plantar plantas melíferas, que as abelhas têm interesse, porque não é qualquer uma que ela vai retirar o néctar”, explica.

A microprodutora de abelhas sem ferrão começou com a atividade recentemente, como um hobby, após participar dos cursos da Prefeitura. Ela conta que se apaixonou pela ocupação e passou a criar os insetos. Hoje, Gislaine tem 19 caixinhas e comercializa as colmeias.

Gislaine Paes se apaixonou pela meliponicultura recentemente. Hoje, ela comercializa enxames. Foto: Rafael Pinheiro/JB Litoral

Virou uma paixão, para mim, lidar com as abelhas. Faz bem para o psicológico, é uma atividade aliada contra a depressão, ansiedade. Junto com as abelhas você lida com as plantas, faz um jardim, que é o pasto meliponícola. Quem começa não para, é viciante”, menciona. 

Própolis Azul exclusiva do Litoral


Para além da criação de abelhas sem ferrão, que são chamadas de indígenas, uma vez que já estavam no Brasil ainda antes da colonização, o Litoral do Paraná também é a casa exclusiva da “própolis azul”. A substância só é produzida nesta região.

O meliponicultor Osni Rosa Lima explica que a própolis é uma defesa que a abelha faz em sua morada. “É uma substância resinosa obtida através da colheita de resinas das árvores. Ela engole, metaboliza e, com a ação das enzimas contidas na saliva das abelhas, se transforma em uma ‘massinha’ que ela usa para vedar sua morada, para inibir inimigos de entrarem”, diz.

Segundo ele, cada região possui seu tipo específico de própolis por conta das características próprias da flora de cada local. E, além disso, o ser humano descobriu que ao diluir a substância e produzir extratos, o produto se torna medicinal, fazendo bem para a saúde e aumentando a imunidade.

Abelhas sem ferrão são chamadas de indígenas, pois já estavam no Brasil antes da colonização. Foto: Rafael Pinheiro/JB Litoral

Aqui no Litoral do Paraná se descobriu que uma determinada abelhinha chamada mandaçaia produz uma própolis azul. E, por meio de estudos científicos, inclusive realizados pela Universidade Federal do Paraná, estamos descobrindo que ela tem grandes qualidades medicinais”, informa Seu Osni.

Agora, os meliponicultores pretendem buscar o registro de Identificação Geográfica da própolis azul do Litoral. “Com essa Indicação Geográfica, conseguimos colocar o Litoral do Paraná no mapa mundial dessa produção. Hoje a própolis azul já é comercializada, mas ainda não está oficializada. Então queremos oficializar e assegurar que ela é do Litoral”, conclui.